Vedānta nos dias de hoje

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 Certa vez, alguém me fez esta pergunta: “Nestes dias de tecnologia, que importância essa sabedoria antiga, Vedānta, tem em nossas vidas?”. Nós deixamos de lado nosso modo antigo de viver. Nosso estilo de vida tem mudado tanto no Ocidente quanto no Oriente.

As coisas não são as mesmas. Nosso sistema monetário mudou; não é mais o sistema de troca. Nossos hábitos alimentares mudaram. Nosso estilo de vestir mudou. Até o Swami agora fala em inglês, o que não acontecia antes.

Acho que essa mudança é muito natural. O tempo agora é um grande uniformizador; as coisas mudam e perdem a forma no tempo. É um fato que temos mudado e, ao lado disso, muitas de nossa filosofias, conceitos e ideologias antigas também devem mudar. Elas estão obsoletas.

Vedānta é uma parte dos Vedas, dos quais nós não conhecemos a origem. Nos Vedas é dito que:

Iti susruma purvesam ye nah tad vyacacaksire

O aluno ouve de seu professor:
“É assim que ouvimos. É assim que recebemos esse conhecimento daqueles que nos ensinaram”.

Assim, é claro que os Vedas não tem origem determinável e, por isso, não temos limites geográficos.

No Egito estão as grandes pirâmides. Suponha que o governo egípcio decida demolir uma delas para criar uma nova vila habitacional. A Humanidade permitiria isso? As nações do mundo permitiriam que isso acontecesse? Definitivamente, não. Elas são muito antigas para serem propriedade de uma só nação. Uma vez que alguma coisa atinge um certo ponto na história, ela não mais pertence a um país em particular. Ela pertence à Humanidade.

Mesmo direitos autorais perdem sua validade depois de um certo número de anos. Os Vedas são tão antigos que não podem ser considerados propriedade de uma nação. Eles são um conjunto de ensinamentos que pertencem à Humanidade. É um antigo conjunto de ensinamentos que vem caminhando através dos anos.

Eu concluo que nem todas as coisas antigas necessitam ser obsoletas. Nós temos o mesmo antigo Sol e os mesmos métodos antigos de comer. Nossos ta-ta-ta-tataravós também comiam através da boca, e nós ainda não encontramos outro método. Nossos antepassados também tinham suas próprias frustrações. Eles tinham seus próprios estresses vivendo na sociedade deles. Nós também temos nossos problemas. Eles tinham que lidar com um mundo hostil a eles. Nós também temos que lidar com um mundo hostil a nós. Eles tinham que lidar com suas mentes; nós também temos que lidar com nossas mentes. Assim, a mente é típica, e os problemas são típicos. Certas coisas não mudam, embora muitas mudanças aconteçam.

Muitos dos problemas básicos da vida humana são tão básicos que são universais. Em sânscrito, um animal é chamado muito propriamente de tiryak, porque tiryak significa “aquilo que cresce horizontalmente”. Um vaca tem uma cabeça, um estômago e uma cauda, todos alinhados numa linha reta. Isso significa que ela só necessita da cabeça para preencher as necessidades do seu estômago. Por isso, ela não tem estresse ou tensão devidos à auto-opinião ou à auto-imagem. Mas um ser humano não é tiryak. Ele tem a cabeça acima dos seus ombros, com seu estômago e tudo o mais abaixo. Naturalmente, esse camarada tem que fazer uso da sua cabeça. Fazer uso da cabeça pode ser ambos: certo ou errado. Isso nunca muda. O que é universal é imutável. Por isso é universal. O que foi certo para Rávana no seu tempo também foi certo para Rāma. O que foi correto para Duryodhana foi correto para os Pāndavas. Quando nós estamos lidando com coisas universais, qual a importância da tecnologia moderna? De fato, tecnologia moderna significa mais conforto. Mais conforto significa mais tempo e mais tempo significa mais problemas, porque você deve ser capaz de relaxar e aproveitar o tempo.

Para aproveitar o tempo, você deve ter cultura e sofisticação. Para conhecer a si próprio, para aproveitar suas folgas, para aproveitar o tempo, você precisa ter cultura. Sem isso, você se torna um introvertido. Não há maneira de fugir disso, porque quanto mais tempo você tem, mais tempo você tem para lidar consigo mesmo. Nestes dias você não consegue conviver com você mesmo por dois segundos. Por esse motivo, você encontrará rabiscos em qualquer bloco de anotações de telefone. As pessoas rabiscam porque elas não podem esperar; elas têm que fazer alguma coisa. Por isso, quando você faz uma chamada telefônica de negócios e precisa esperar para ser atendido, você ouvirá música todo o tempo. Por quê? Porque desejam livrar você do aborrecimento. Aborrecimento com o quê? Com quem? Com você mesmo. Eu lhe digo que essa é a maior tragédia para o ser humano. Não há outra tragédia na vida. Se você não pode estar com você mesmo, essa é a tragédia.

Que espécie de cultura é essa que cria essa tragédia? Há alguma coisa drasticamente errada. Isso indica que há alguma coisa fundamentalmente errada no caminho que estamos seguindo. O que, então, é o impacto de toda essa tecnologia?

O estresse está definitivamente presente na vida de todos. Foi assim antes e é assim agora. Não há maneira de escapar disso, especialmente nestes dias quando há tanta informação. Anos atrás, se alguma coisa acontecia a dez quilômetros de distância, ela iria levar dez dias para atingir você. Agora, se alguém espirra em algum lugar, você toma conhecimento imediatamente, especialmente neste país com seu sistema de comunicações.

Só de ler o jornal de manhã você pode ficar fervendo porque o Khomeini disse alguma coisa – e o fez também. Você pode ficar chateado mais facilmente aqui porque as informações são muitas. E quando as informações são muitas, é melhor você ter alguma tranqüilidade interior. E se você não tem essa tranqüilidade, não há maneira de tornar sua vida um sucesso. Você pode ganhar dinheiro. Pode exercer poder. Pode ter tudo, mas quem tem que aproveitar tudo isso é você, a pessoa.

O que o Vedānta realmente faz para resolver esse problema? Apenas muda o foco da sua atenção. De uma forma muito simples, ela transfere sua atenção da sua mente para o seu Eu real. Se você focalizar sua atenção em você, o pensador, você se torna introvertido. Vedānta vai um passo além. Não é meramente psicológico. Ele vai um passo adiante para dizer que você é mais que um pensamento. “Quem pensa” é você, mas você é independente de “quem pensa”.

Há uma pessoa que é toda paz, toda śānti, que exerce esse poder de pensar. Todos são contemplados com esse poder de pensar, de saber, de lembrar. Em sânscrito, um poder é chamado de śakti. Esse poder de pensar e de saber é chamado deānaśakti. Todo ser humano possui isso.

Há um segundo poder, o poder de querer, o poder de desejar, chamado icchāśakti. Uma vaca também pode saber, mas sua capacidade é muito limitada. Ela é programada para saber de uma forma limitada. Uma vaca não terá vontade de ir a um concerto. Ela não desejará um computador Apple porque está programada. Você, todavia, pode querer a Lua. Isto é, pode desejar qualquer coisa sem nenhuma permissão ou impedimento. Esse icchāśakti é um privilégio. O desejo não é uma coisa ruim. O desejo é um poder, um privilégio, como um conhecimento. Em terceiro lugar, se você tem um poder de desejar, de querer, mas não tem poder para realizar esses desejos, você estará tendo desejos que só lhe perturbam. De fato, você tem um kriyāśakti para auxiliar o desejo, um śakti, um poder de realizar, fazer, trocar, destrocar, desfazer. Esse poder também é dado a todos.

Conseqüentemente, todos nós, todos os seres humanos, somos qualificados com estes três poderes: jñánaśakti, icchāśakti e kriyāśakti. E quem é o único qualificado com eles? É você, o único capaz de pensar, o único capaz de desejar, o único capaz de realizar. Você é a pessoa. Quando você é qualificado com um poder de pensar, de saber, esse poder não deve ser usado contra você. Se isso acontecer, você criou um monstro mau. O que era para ser uma benção, um privilégio, se torna um tirano, um déspota, para controlar você.

Se pensar é um problema, definitivamente há estresse. Para aliviar o estresse, nós desejamos fugir do pensamento. É por isso que nós temos sedativos. O pensamento, que é um privilégio, passa a ser um problema. Por isso eu disse que é uma tragédia. Isso se torna um problema porque nós não temos outro lugar para focalizar nossa atenção, exceto em nosso pensamento. E quando nós temos uma certa folga, a atenção para com nosso pensamento é ainda maior.

Tudo o que Vedānta quer é que você olhe para você mesmo como uma pessoa que exerce esses poderes, que é livre das suas tiranias. Você só pode ser livre quando você focaliza o próprio Eu, um Eu que é muito mais que pensamento, que é muito mais que vontade, que muito mais que desejo, muito mais que ação, um Eu cuja própria natureza é shanti.

Quando eu era um buscador, à medida que estava me esforçando para entender algumas dessas coisas, eu tive o privilégio de encontrar um número de professores. Eu tive alguns problemas porque eu estava realmente buscando algumas respostas. Pensei que tinha conseguido as respostas, mas quando comecei a pensar sobre elas, todas haviam se evaporado. Elas não tinham mais nenhum conteúdo.

Naquela época, encontrei um homem de Andhra Pradesh, Índia. Não era um homem educado à maneira moderna, mas era uma pessoa muito profunda. Eu contei a ele meus problemas. Ele sorriu e disse: “Você está se esforçando à toa”. Não foi somente a lógica dele; eu posso arranjar a lógica. Mas ele falou com uma certa profundidade e amor e disse: “Para agitação, para inquietação, você tem que fazer muito. Para śānti, você não precisa fazer nada”.

Não é verdade? Śānti é a base. Antes de o pensador chegar, há silêncio. Quando o pensamento vai embora, há silêncio. E no intervalo há pensamento. Como esse pensamento perturba o silêncio? Se eu pedir a você para ficar em silêncio, o que você deve fazer? Eu não estou me referindo ao silêncio verbal, mas ao silêncio em si. Seja apenas você mesmo. Há alguma coisa que você deva fazer? Se eu pedir à você para ficar agitado, você tem que fazer algo. Mas quando digo “seja silêncio”, você não precisa fazer nada.

O silêncio é a base do pensamento. O pensamento nasce do silêncio, existe no silêncio e retorna ao silêncio. Isso é você! O Vedānta deseja que você preste atenção a esse silêncio. Se você prestar atenção a esse silêncio, então você está consciente do que está acontecendo. Então há ação. Não há reação. E todo estresse não é nada além de reação.

Suponha que eu peça para vocês baterem palmas. Vocês tem liberdade e opção de bater palmas. Alguns de vocês baterão palmas, outros não. Por quê? Porque vocês têm liberdade. Vocês podem bater palmas; vocês não precisam bater palmas; vocês podem bater palmas ao seu modo. Vocês têm uma escolha sobre sua ação porque ela é centrada na sua vontade. Mas suponha que eu peça para vocês ficarem zangados por um minuto. Vamos lá, só um minuto. Vamos todos ficar zangados. Vamos lá! O que vocês farão?

Olhe bem: ninguém consegue ficar zangado assim. Então isso significa que você é incapaz de ter raiva? Certamente não. Raiva não é alguma coisa que você possa deixar de sentir apenas porque você não deseja sentir. Nem desejando significa que você a sentirá. Melhor, ela acontece. Essa é a diferença entre uma ação e uma reação. Uma reação é um acontecimento. Você não tem controle sobre ela. É um acontecimento, da mesma maneira que as nuvens se formam e a chuva acontece. É como uma máquina que está funcionando algumas vezes por minuto, porque está programada para fazê-lo. É um acontecimento. É mecânico. Você fica zangado, não porque você quer ficar, mas só porque aconteceu.

Isso é muito triste porque um ser humano não é feito para ser controlado por instintos ou impulsos. Ele é dotado com um intelecto. Ele tem a capacidade de discriminar. Seu poder de pensar livremente, seu intelecto, tem que comandar todas essas reações. Reação é definitivamente um acontecimento; raiva é um acontecimento; a tristeza é um acontecimento. Ninguém deseja ser triste, mas fica-se triste. Ninguém deseja ser ciumento ou desagradável, mas fica-se ciumento e desagradável. Ninguém deseja ser desesperado ou frustrado, tendendo ao estresse, mas fica-se desesperado ou frustrado.

Isso significa que nossa vida é mecânica. Nós permitimos que reações aconteçam. Pelos menos sob o aspecto cultural, nós podemos nos livrar dessas reações se tivermos alguma sofisticação. Se posso tomar nas mãos Shakespeare ou Kalidasa e apreciá-lo, tenho alguma coisa a recorrer. É necessário tempo livre.

Não temos sofisticação em nossa cultura nem apreciação da profundidade em nós mesmos. O Eu que é profundo, que é todo silêncio, que existe sempre entre dois pensamentos, é aquele para o qual devo voltar minha atenção.

O primeiro estágio é cultura. Esse é o porque de Arsha Vidya Gurukulam ser também dedicado a promover cultura. Ao mesmo tempo, nós vamos um pouco adiante, e esse passo é Vedānta. Esse passo é você mesmo, um passo que você dá mudando sua visão.

Isso não toma nenhum tempo: é só transferir sua atenção. É só transferir sua visão de agitação para o silêncio entre pensamentos agitados. Aquele silêncio é você. E sobre aquele silêncio Vedānta tem muito a dizer. Ele diz que esse silêncio é tudo. Tudo nasce desse silêncio. Tudo existe nesse silêncio. Tudo retorna a esse silêncio. Um pensamento é precedido por silêncio. Um pensamento é sucedido por silêncio. Um pensamento é uma forma daquele silêncio.

O foco muda. Não há outra mudança. O que mais é Vedānta? Ela não provoca nenhuma mudança material, mas ela traz uma mudança drástica na sua vida mudando sua visão. Há unidade. Há alegria. Há satisfação.

Vedānta é você. Nada tem a ver com o tempo. Nada tem a ver com geografia, mas na geografia entre o Himalaia e o Cabo Camorim essa sabedoria ainda está fluindo. O Ganges tem fluído. Quando começou? Nós não sabemos. É um rio antigo. Histórias contam que ele veio do céu trazido por Bhagiratha, que veio da cabeça do Senhor. Em todas essas histórias talvez haja algum significado. Eu vejo um significado. Assim, o Ganges significa o conhecimento. A Gangā tem fluido por longo tempo, mas quando ela começou? Definitivamente é antiga. Está perdida nas memórias do passado e nós não temos nenhum registro histórico de quando ela começou. Mas ela tem fluido.

Só porque o Ganges é um rio antigo nós não podemos concluir que a água que corre entre suas margens é obsoleta e estagnada. Não, ela ainda está fresca. Se você quiser mergulhar nesse rio, ele dará a você a mesma frescura que Bhaghiratha sentiu. Se você tem fé, śradhā, também tornará seu coração puro. Isso é jñānagangā. É um grande privilégio da Humanidade, um privilégio que nós somos abençoados por preservar.

extraído do informativo Vidyā Mandir (www.vidyamandir.org.br), edições de junho e julho de 1989, do Vidyā Mandir – Centro de Estudos de Vedānta e Sânscrito, Rio de Janeiro, e digitado por Cristiano Bezerra.